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O canto coral nas escolas

O canto coral nas escolas

Artigo publicado na Revista Ilustração Musical, março de 1931.

O canto coral nas escolas

 

L’Art n’est qu’une sorte de religion

(Rosenbach)

 

PREÂMBULO

 

A música – na sua forma mais profundamente humana:  o canto — é uma necessidade.

E, se, no canto individual as vantagens de cultura e higiene são múltiplas, no canto coletivo essas vantagens acentuam-se e dilatam-se, tornando-se, assim, o canto coral não só um fator de progresso, como também um afirmador da nacionalidade.

Só os grandes povos sabem cantar.

É um fato altamente impressionante, pela sua grandeza, ouvir uma enorme multidão cantar, numa praça pública, hinos patrióticos.

Todos aqueles que estão cantando sentem, nos seus companheiros de coro, os seus irmãos de raça, de língua e de pátria, e todos vibram uníssonos na música como nos sentimentos.

A Música é, de todas as Artes, a que mais profundamente irmana os homens.

O brasileiro não sabe cantar em conjunto. É melancólico e pessimista.

Só canta coletivamente no Carnaval; mas antes o não fizesse pois desses gêneros são, em geral, o que há de mais grosseiro, principalmente quanto à letra.

E, no entanto, o brasileiro tem qualidades inatas para a música.

A prova é que mesmo no louco período do Carnaval aparecem os ranchos com algumas canções interessantes que esses pobres heróis anônimos ensaiam durante o ano inteiro, à custa, às vezes, de verdadeiros sacrifícios.

Mal recompensado esforço, pois tudo se esvai numa noite de folia carnavalesca.

Desses ranchos — orientados que fossem para a finalidade mais nobre — poder-se-iam, talvez, mais tarde, formar alguns orfeões.

O canto coral deve começar na escola. É na escola que se gravam, na alma tenra da criança — qual cera virgem — as impressões definitivas.

E assim, torna-se necessário formar primeiro o professor.

 

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CONDIÇÕES DO PROFESSOR

 

Do contato do professor com os alunos resultam logo necessárias três condições importantíssimas para o professor:

1) Sólida cultura musical;
2) Entusiasmo e devotamento à Arte;
3) Capacidade pedagógica.

 

a) Cultura Musical

 

Vous ne comprendrez l’esprit que quando vous serez maitre de la forma.

(R. Schumann)

 

Para se poder penetrar no espírito de uma obra musical, não basta o conhecimento material da teoria e do solfejo.

Outros conhecimentos mais vastos e profundos são imprescindíveis.

Assim, o estudo da harmonia e o de contraponto e fuga, não devem ser descurados.

E seriam altamente desejáveis os estudos de composição e estética.

Um cultura não se improvisa, e é triste entregar a juventude escolar, sempre tão ávida de curiosidade, nas m        ãos de professores que por deficiência cultural lhes ministrem noções falsas, senão errôneas, sobre a verdadeira Arte.

O professor deve também procurar ouvir sempre a boa música, tanto a vocal como a instrumental e a sinfônica; e assim, pelas leituras e pela audição contínua, formar uma sólida cultural teórica e experimental.

 

b) Entusiasmo e devotamento à Arte

 

Ensisager l’art, non comme un prompt moyen d’arriver à d’égoistes jouissances, à une sterile célébrité, mais comme une force qui rapproche et unit les hommes.

(Fr. Liszt)

 

O professor necessita de comunicar-se diretamente com o aluno através do entusiasmo.

Só o entusiasmo é fecundante.

É preciso que o professor desperto no aluno, de início, a alegria de cantar, e depois que faça com que o próprio aluno sinta a necessidade de expandir sua alegria por meio do canto coletivo.

A tarefa, no começo, é árdua; mas o professor devotadamente e com a fervorosa constância irá transfundindo todo o entusiasmo nas almas juvenis, sempre tão propensas aos nobres atos.

 

c) Capacidade Pedagógica

 

On ne fait point des hommes sains en élevant les enfants avec des bombons. La nourriture spirituelle doit être aussi simple et aussi substantielle que celle des corps. Les “maitres” se sont chargés de nous fournir abondamment la première. Tenez-vous à ele.

(R. Schumann)

 

O professor deve ter aptidões pedagógicas capazes de transmitir aos alunos não só os conhecimentos musicais como também o nobre entusiasmo pelas elevadas manifestações da Arte.

Afirmar, no professor, a necessidade de aptidões pedagógicas poderá parecer redundância mas, bem observado, ver-se-ão muitos deles com conhecimentos apenas teóricos.

Ora, se uma cultura não se improvisa, um professor também não se pode improvisar.

Assim, só o contínuo contato com a alma infantil fará com que, compreendendo-a, nos tornemos compreensíveis.

O professor deve explanar sempre as ideias com clareza e simplicidade. (A erudição melhor fica numa academia do que numa classe infantil).

Sendo simples deve evitar, no entanto, a monotonia; ora transformando certos elementos teóricos em jogos infantis (aplicando, por exemplo, o método Decroly); ora amenizando a aula com histórias adequadas e anedotas relativas à música e aos músicos; ora relacionando a música com os fenômenos físicos da natureza (método Decroly); ora, durante os ensaios, dividindo o conjunto em grupos dos quais mesmo os que descansam estão aprendendo; etc.

É preciso que o professor se lembre que as crianças têm pouca resistência atentiva e, principalmente, é preciso lembrar, também, a pouca resistência física do órgão vocal ainda em formação.

Logo, outro fator importante para o professor é a calma.

Pode-se até afirmar que nos estudos infantis o progresso está na razão inversa da rapidez desses estudos.

Em geral os professores neófitos querem, na primeira lição, ensinar tudo o que sabem, com receio de que o tempo não chegue.

Resultado: indigestão intelectiva das crianças, seguida de acentuada repugnância pelos estudos.

 

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CONDIÇÕES DO ALUNO

 

J’aime beaucoup mieux ce qui ne touche que ce qui me surprend.

(Couperin legrand)

 

Para se conseguir, a meu ver, o resultado almejado, devem procurar-se, nos alunos, as seguintes condições:

1) Faculdades físicas e intelectivas normais;
2) Sentido da entoação;
3) Sentido do ritmo.

 

a) Faculdades Físicas e Intelectivas Normais

 

Será de toda a conveniência separar os alunos em três grupos, conforme a capacidade especial que revelarem:

1o) os anormais;
2o) os normais;
3o) os excepcionais.

 

Essa classificação poderá ser, em princípio, obtida pelos testes e depois confirmada ou modificada pela experiência.

Está claro que dessa divisão advirão vantagens, pois os alunos excepcionais, aprendendo muito rapidamente, poderão tornar-se auxiliares preciosos para o professor, já como estímulo, já como chefes (cabeças) de grupo.

Os anormais devem ser tratados com cuidados especiais para cada caso, ora visando as anomalias físicas, ora visando a fraqueza mental.

 

b) Sentido da Entoação

 

É natural que para explorar o sentido da entoação, tenha, cada professor, o método que a experiência lhe confirme como o melhor. Creio, no entanto, que as crianças podem ser orientadas da seguinte forma:

O professor deve, em primeiro lugar, emitir vocalmente, ou por meio de algum instrumento, um determinado som (o fá 3, por exemplo). Esse som é, após, entoado pelos alunos. Em seguida, o professor emite outro som mais agudo ou mais grave, fazendo com que os alunos, depois de entoar esse novo som, digam se é mais agudo ou mais grave.

À proporção que os alunos vão sentindo as diferenças de altura dos sons, o professor irá complicando, naturalmente, os exercícios, fazendo entoar grupos de duas, três, quatro e mais notas.

 

b) Sentido rítmico

 

Antes de se iniciarem os cantos escolares, deve-se procurar, também, explorar o sentido rítmico, insuladamente.

Uma das formas mais simples é a do movimento da marcha, na qual se deve fazer sentir ao aluno uma acentuação mais forte, correspondendo ao 1o  tempo do compasso (tempo forte ou tesis). Assim o professora poderá dizer em voz de comando, clara, forte e bem ritmada: um-dois, um-dois, um-dois, etc., acentuando sempre a palavra um, e fazendo com que os alunos marquem o passo levantando ora um outra outro pé (deve-se ter cuidado que ao 1o tempo corresponda sempre o mesmo pé — o esquerdo por exemplo, que é o pé com que o soldados iniciam a marcha).

Podem-se também indicar as formas de ginástica para marcar outros ritmos e, depois, quando o aluno já estiver bem familiarizado com o sentido nas suas relações fortes e fracas, convém o estudo de fórmulas rítmicas entoadas que o aluno deve repetir.

Neste ponto já se podem iniciar os estudos de entoação e ritmo conjuntamente, fazendo cantar frases musicais de ritmo bem acentuado.

Convém, inicialmente, o estudo separado da entoação e do ritmo, pois é sabido que há alunos que entoam facilmente e não têm ritmo e outro apanham muito bem o ritmo e não sentem a entoação.

Da observação desses dois sentidos separadamente, resultará uma melhor orientação para o professor que pode, assim, corrigir o ponto fraco do aluno.

 

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GINÁSTICA RITMICA, RESPIRATÓRIA E VOCAL

 

O órgão vocal, sendo um instrumento vivo, é passível de aperfeiçoamento.

A técnica vocal requer o desenvolvimento racional dos movimentos musculares contribuindo, assim, diretamente, para a educação dos movimentos respiratórios normais.

A preparação do aluno deve, pois, ser feita:

1) Pela ginástica pré-vocal;
2) Pela técnica vocal.

 

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EXERCÍCIOS RESPIRATÓRIOS E GINÁSTICA ESPECIAL

 

Podem resumir-se, em geral, a três os tipos respiratórios fisiológicos:

1) Tipo diafragmático, ou abdominal;
2) Tipo costo-clavicular, ou superior;
3) Tipo costo-lateral inferior (ou das costellas).

Difícil se torna aconselhar exclusivamente qualquer um dos tipos respiratórios, pois todos eles, agindo insuladamente, oferecem objeções.

Assim, na respiração, diafragmática, ou abdominal, os órgãos infra-diafragmáticos (estômago, fígado, baco, etc.) sofrem pressão exagerada que muito prejudica, principalmente na mulher.

O tipo costo-clavicular, ou superior, apoiando-se no vértice dos pulmões, requer um grande esforço para um mínimo resultado, pois, como é sabido, os pulmões, muito largos na base, tornam-se muito estreitos no ápice. É além disso muito fatigante.

A respiração costo-lateral inferior apoia-se nos músculos intercostais, cuja ação, sendo muito fraca, não é preponderante. Daí quase sempre vir, este tipo respiratório, combinado com os outros.

Sobre este delicado assunto, a opinião do ilustre dr. Bonnier parece a mais acertada.

Diz o dr. Bonnier que o gesto respiratório, sendo extremamente complexo, utiliza-se, naturalmente, de todas as formas respiratórias. Aliás, o gesto respiratório nada mais é do que a adaptação do indivíduo ao meio.

Assim, um homem em pé terá maior capacidade de respiração diafragmática, pois o peso das vísceras abdominais deixam em maior liberdade o diafragma, ao passo que o peso das clavículas, dos omoplatas e dos braços impede, de certa forma, a dilatação da parte superior do tórax.

Já no homem sentado, o diafragma, estando comprimido pelas vísceras, terá menor ação, e, no homem deitado sobre um lado, a respiração far-se-á, naturalmente, sobre o lado livre.

E assim concluo este discutido problema com a clara e simples comparação do dr. Bonnier:

Pour poser ce probléme — qui a tant été discuté — d’une façon schématique, comparons, comme on l’a solvente fait, l’appareil respiratoire á un soufflet; l’appareil costal jouera le rôle des parois plates ou rigides de soufflet; le diaphragme sera représenté par la membrane souple qui les unit.

 

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De grande importância se torna a ginástica respiratória associada à ginástica rítmica; já combinando o movimento dos passos, durante a marcha, com os movimentos respiratórios; já ritmando a respiração com outros exercícios ginásticos, visando sempre os movimentos favoráveis à ampliação do tórax e ao perfeito funcionamento dos outros órgãos.

Sobre este aspecto a ginástica é de grande alcance para a saúde, tornando-se pois, quando bem aplicada na escola, um fator de alta eugenia.

A ginástica rítmica é, além disso, de grande vantagem para a cura ou melhora dos indivíduos arrítmicos; produz a harmonia das formas plásticas e dos movimentos, e criando o equilíbrio entre a massa e o movimento, torna-se um fator de expressão estética. Sobre a importância destes exercícios, aliás de todos reconhecida, poder-se-iam, a título de exemplo, citar inúmeras opiniões, como as que seguem:

Dr. Mandl — “L’exercice modéré des muscles du tronc et des membres est utile et même nécessaire á la santé générale, en favorisant la digestion et na nutrition.”

Dr. Perretiere — “L’exercice du corps ont une grande influence sur la fonction vocale.”

Dr. Joal — “Toutes les pratiques élémentaires de la gymnastique ordinaire sont utiles au chanteur”, etc., etc.

 

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INICIAÇÃO AO CANTO

 

O ilustre mestre Maurice Emmanuel expõe, no seu precioso opúsculo “Le chant à l’Ecole” que contém “l’exposé d’une méthode rationelle d’enseignement musical primaire”, um método interessantíssimo.

Os exercícios são repartidos sobre três períodos distintos:

1o) consagrado à educação do ouvido e da laringe;
2o) ao desenvolvimento e à uniformidade da voz, ao mesmo tempo que ao estudo do solfejo;
3o) ao aperfeiçoamento, à articulação e ao canto polifônico.

 

1o. Período

 

Os primeiros ensaios vocais consistem na imitação dos sons médios, insuladamente. Os alunos devem reproduzir esses sons com doçura, pronunciando a vogal a com a boca convenientemente aberta. Ao mesmo tempo devem ser praticados os exercícios respiratórios, segundo os preceitos formulados pelos higienistas.

Após algumas semanas, procede-se à coordenação dos sons por meio de fórmulas que não excedam a extensão de um dos tetracordes de dó maior.

Pode-se pouco a pouco, transportar por semitons a fórmula para o agudo sem, contudo, ultrapassar o ré4.

Todos os exercícios devem ser feitos a meia-voz.

Quando a voz está suficientemente desenvolvida, faz-se cantar toda a escola. Em seguida habitua-se o ouvido à percepção dos acordes e de sua função tonal.

Exercitam-se depois os alunos a entoar intervalos maiores do que a quarta, por ordem de dificuldade crescente (a 5a, a 6a, a 8a, a 7a). Deve-se ter sempre muito cuidado com a afinação exata do intervalo de 5a justa.

As aulas, neste primeiro período, devem ser muito frequentes porém não excedendo, cada aula, à duração de vinte minutos, para evitar a fadiga sempre tão prejudicial.

Quando os estudos da teoria se tornam úteis (na segunda parte do primeiro período), as aulas podem durar meia hora, sendo dez minutos para os exercícios vocais.

 

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2o. Período

 

Estudos para desenvolver a voz em toda a sua plenitude. A maior dificuldade a vencer consiste na atenuação da passagem da voz do registro chamado de peito ao denominado de cabeça.

Esta dificuldade é muito atenuada pela execução das escalas descendentes atacadas pianíssimo, com aumento de sonoridade do agudo para o grave, e diminuição do grave para o agudo.

 

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3o. Período

 

O aluno já se deve encontrar, neste período, apto a cantar em coro. Para preparar a articulação das palavras com nitidez, exercita-se a vocalização sobre a vogais, principalmente, sobre o I e o U, muito difíceis, sobretudo no agudo.

 

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São estas, em resumo muito sumário, as idéias sugeridas pela prática ao ilustre mestre acima citado, e que eu creio de grande proveito quando bem aplicadas, embora com as modificações que o tempo e o meio ambiente indiquem ao professor.

 

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INICIAÇÃO DA TÉCNICA MUSICAL

 

Para o ensino dos princípios da teoria musical não deverá o professor adotar nenhum livro.

As aulas devem ser dadas, o mais possível, ao vivo, isto é, corporificando na própria aula os elementos necessários à compreensão dos jovens alunos.

Isto pode ser obtido já por meio de jogos adequados, (como por exemplo, o método Decroly) aplicados à música; já por meio de divertimentos nos quais os alunos representem as notas, etc., etc.

Este estudo não pode ser violento e o professor deve, após cada explicação, fazer com que os alunos resumam, primeiro, oralmente e depois anotem a matéria dada em seus cadernos que servirão, uma vez corrigidos, como obra de consulta aos próprios alunos.

Deve-se sempre insistir sobre os exercícios de divisão rítmica, tão importantes nesta matéria.

 

REPERTÓRIO

 

Sobre o repertório de canções adotado nas escolas, muito haveria a fazer e a corrigir.

Sob a denominação de cantos escolares, tem aparecido um série de obras desprovidas absolutamente de todo o valor pedagógico e, o que é pior, modelo de mau gosto artístico. Algumas, até, cheias de erros!

É neste momento, isto é, na ocasião da escolha do repertório, que entra em jogo a cultura musical do professor, a qual, como disse no começo, não se pode improvisar.

Os cantos infantis devem ser, principalmente, simples, claros e de bom gosto, senão belos.

O professor deve evitar escrupulosamente os cantos, mesmo belos, cujas palavras, por grosseiras ou tolas, não dignifiquem a alma infantil.

Grande responsabilidade cabe ao professor que não for exigente neste assunto, pois sabida é a influência que tem sobre o futuro homem as coisas aprendidas na infância.

Os cantos podem ser divididos em três categorias:

1) Cantos de caráter patriótico;
2) Cantos de caráter panteísta;
3) Cantos sobre lendas e tradições populares (folclore).

(Deixo de enumerar os cantos religiosos por não entrarem no programa das nossas escolas oficiais).

Nos cantos de caráter patriótico — já sejam sobre fatos puramente históricos, já sobre os varões ilustres da pátria — conviria que o professor, antes de iniciar o estudo musical dos mesmos, ministrasse aos alunos algumas explicações históricas a respeito dos temas poéticos a serem cantados.

Traria este processo duas vantagens: a de fazer com que os alunos sentissem a significação do canto a estudar e a do aluno aprender por um excelente processo mnemotécnico — a música — noções sobre a história pátria.

Poder-se-ia aplicar o mesmo sistema aos cantos de caráter panteísta, pois as explicações dadas sobre os fenômenos físicos, químicos ou biológicos da natureza, a par do prazer que despertam nos alunos, muito concorreriam para instruí-los.

O verdadeiro sentido da nacionalidade, porém, não reside nem nos cantos patrióticos, na maior parte das vezes com poesias exageradamente bombásticas e com músicas marciais banalíssimas, nem nos cantos em que a natureza entra, às vezes, só como pretexto para a poesia.

O verdadeiro sentido nacional deve, a meu ver, assentar as bases nos cantos do folclore.

É cantando as lendas e tradições de nossa raça que melhor a amamos e compreendemos.

Aqui torna-se novamente necessária a cultura estética bem orientada do professor. No folclore o terreno é delicado e escorregadio, pois muita gente confunde o canto popular, ingênuo e profundo pela sua expressão, simples e rico pela sua beleza, com umas canções plebeias que uns quantos mestres de assobio, fazedores de música, arranjam quase sempre nas vésperas do carnaval.

As canções populares, desde os romances e xácaras, até as cheganças e reisados, podiam constituir um excelente meio de divulgação das nossas lendas e tradições, quer de caráter mitológico, quer de caráter popular, hoje, infelizmente, tão esquecidas.

É necessário também despertar no aluno o sentimento, sempre artístico puro e elevado, mas de acentuado cunho nacional.

Nacional pelo fundo e pela forma (folclore), e não somente pelas palavras, às vezes vazias de emoção, (cantos patriotiqueiros).

É necessário também despertar no aluno o sentimento sempre nobre, mas nunca o sentimentalismo, sempre ridículo.

Cabe ao professor escolher com critério e bom gosto.

 

CONCLUSÕES

 

Depois destas ligeiras considerações, sobre o canto coral nas escolas, creio desnecessário insistir nas inúmeras vantagens, aliás de todos sabidas, do estudo do canto coletivo.

Fisicamente educa, desenvolvendo a harmonia plástica do corpo e o gesto respiratório profundo e higiênico.

Moralmente educa, desenvolvendo a harmonia do espírito e o sentimento da fraternidade, principalmente no canto polifônico em que as diversas vozes, obedecendo sempre ao rítmico e a harmonia do conjunto, muito se assemelham à vida das sociedades organizadas, nas quais cada um de nós terá que desenvolver dentro da sua esfera a atividade no sentido da ordem, da disciplina, da harmonia e do progresso.

Amemos e cultivemos a ARTE como uma religião que aperfeiçoa a une os homens.

Oscar Lorenzo Fernândez
(Especial para a revista Ilustração Musical. Março de 1931.)