Arquivo

Lorenzo Fernândez por sua filha Marina

Lorenzo Fernândez por sua filha Marina

Dois textos de Marina Helena Lorenzo Fernândez Silva sobre o pai Oscar Lorenzo Fernândez.

Texto de Marina Helena Lorenzo Fernandez Silva sobre seu pai:

Rápidos traços biográficos

Sua infância desenvolveu-se num ambiente aberto para os interesses artísticos. Iniciou-se na prática do piano, com sua irmã Amália Fernandez Conde que, embora mais nova, já estudava com Henrique Oswald. Confessava Lorenzo Fernandez considerar “piano coisa de mulher” e encaminhava-se em seus estudos para a faculdade de Medicina, quando após um grave problema de saúde, dentro dele eclodiu o impulso artístico e criador. Apoiado e estimulado por todos os seus, ingressou em 1917, na Escola Nacional de Música, hoje integrando a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1923, substituía seu Mestre Frederico Nascimento, na Cátedra de Harmonia.

L.F era um homem de ideias firmes, nacionalista convicto, abraçou com fervor as ideias que lhe auferiram o contato direto com a semana da Arte Moderna e principalmente pela sua amizade com Graça Aranha e Mário de Andrade. É interessante observar que os compositores que surgiram entre o Século XIX e o século XX e foram responsáveis pelo surgimento do moderno nacionalismo musical, são filhos de estrangeiros, com exceção de Villa-Lobos. L.F. é carioca de ascendência espanhola e Mignone, paulista, filho de pais italianos.

A influência europeia existe flagrante nas obras dos nossos primeiros compositores do  século XIX. O nacionalismo de Carlos Gomes se revela na escolha dos assuntos de suas obras, pois, a música vem de fonte italiana. A música de Henrique Oswald sofre a influência da escola francesa e a de Leopoldo Miguez  segue a orientação estética da escola alemã. Alberto Nepomuceno foi o primeiro a escrever musica erudita para canto com palavras em Português sendo considerado o fundador da música Brasileira.

É porém com Villa Lobos, Lorenzo Fernândez e Francisco Mignone, que novos rumos se iniciam com o aproveitamento do folclore no seu caráter rítmico, harmónico e melódico.

É a fase da tese nacionalista, a fase do sentimento nacional e a fase do inconsciente nacional.

Ao ser convidada para falar de Lorenzo Fernândez, quero permissão para falar dele como pai, como homem e como poeta.

 

O Pai

 

Na minha visão de filha, Lorenzo Fernândez era um homem bonito. Alto, 1.78, corpulento, pele muito clara, cabelos pretos, testa ampla, sobrancelhas cerradas que   emolduravam olhos castanhos de expressão suave, as vezes ternos e ligeiramente irônicos. Nariz grande e incisivo que conseguiu transmitir com êxito aos seus dois filhos. Boca desenhada por lábios finos que desapareciam à medida que se sentia aborrecido. Suas mãos não eram grandes, porém, bastante expressivas. Sua cabeça impressionava pela testa lançada sempre para o alto, o que para muitos indicava “ares de superioridade”.

Apesar de acreditar que o movimento de cabeça sugeria nele o homem sonhador ao mesmo tempo que o audacioso empreendedor, confesso que intimamente ele nutria uma certa piedade, com ausência absoluta do sentimento de virtude, por pessoas na linha da mediocridade. Talvez isso, e a vaidade natural dos que se projetam além da média humana, lhe dessem esse ar de superioridade.

 

O Homem e a obra

 

Em seu livro Nacionalismo e Modernismo o Historiador José D’Assunção Barros escreve um trecho que sintetiza  o homem que foi meu pai:

produto de uma época que ainda permitia que se reunissem em uma única personalidade musical, o compositor, o pesquisador, o educador, o escritor, o intelectual de cultura mais ampla e o diretor de atividades e instituições musicais. Não se limitou afazer e a sentir a música, mas também pensar a música e falar sobre ela.

Para situar a obra de Lorenzo Fernândez no cenário musical Brasileiro, faz-se necessário citar o nosso grande Mário de Andrade:

Uma arte nacional já está feita na inconsciência do povo e o artista tem apenas que dar aos elementos existentes uma transposição erudita que faça da música popular uma música erudita.

Em   1924,   num  concurso   Internacional   de  Composição,   conquista  Oscar  Lorenzo Fernândez os dois (2) primeiros lugares e ainda uma Menção Honrosa.

O primeiro prêmio ele conquistou com o Trio Brasileiro para piano, violino e violoncelo. Segundo Mário de Andrade, “esta obra marca uma data na evolução musical brasileira e revela um artista em plena posse de sua personalidade poderosa”.

Homem dinâmico representou o Brasil no exterior em várias ocasiões. Nos Festivais do IV Centenário de Bogotá a Sociedade Pan-Americana de Nova York, premiou o Batuque da ópera Malazarte, considerada na ocasião a melhor partitura apresentada.

Foi o compositor então, convidado a escrever o Hino da Raça para ser executado no dia da América.

Através da obra sinfônica, sentimos o vibrante e íntimo sentimento de brasilidade de Lorenzo Fernândez. Sua personalidade tem  com  ela aspecto  global.  Entre  suas  principais composições sinfônicas temos:

Imbapara, inspirado em poema Ameríndio de Basílio Magalhães, tendo sido encenado como Ballet em 1937, no Teatro Municipal.

Amaya, partitura para grande orquestra, escrita para Ballet, cujo enredo é de Lorenzo Fernândez. Musicalmente a obra é escrita integralmente na escala pentatônica.

Na sua bagagem musical encontramos uma única ópera, Malazarte, em 4 atos, com libreto de Graça Aranha, seu grande amigo.

Subiu à cena na temporada de 1941, valendo-lhe o prêmio Fundação Graça Aranha. A obra é nitidamente brasileira com delicioso sabor folclórico.

Cito aqui palavras do crítico e musicólogo Andrade Muricy, no Jornal do Comercio:

Toda substância anímica da obra lhe é dada pela música de Lorenzo Fernândez, sem dúvida alguma superior ao texto como calor dramático e comoção lírica.

 O autor da História da Música Brasileira, Renato Almeida observou o seguinte:

O drama se desenvolve ao mesmo tempo em dois planos: o da realidade e do mito. Filosófica e musicalmente nenhuma dificuldade se interpõe no processo, mas, dramaticamente é inevitável o desequilíbrio. Pois bem; foi isso que Lorenzo Fernândez venceu pelo prestígio da música e nessa ópera tudo nos vem da música.

Da Suíte Reisado do Pastoreio o público desligou o Batuque que hoje ouvimos frequentemente até como ilustração sonora de jornais cinematográficos.

A inquietude da alma do artista, o leva a uma renovação constante. “Pela temática e pela inspiração, sente-se em sua obra um sopro constante de brasilidade, ora vigoroso, ora lírico, ora descritivo e sentimental, mas sempre requintado na elaboração e na forma.”

Conseguido o domínio consciente e vigoroso dos meios de expressão musical, penso que a vida lhe fugiu no momento em que entrava na fase de superação do folclorismo que caracteriza a maior parte de suas composições.

Escreveu 2 quartetos, Suíte para quinteto de sopros, Invenções seresteiras, 2 quartetos de corda e 2 sinfonias escritas nos anos de 1945 e 1946.

As Variações sinfônicas, são da última época de produção e vida de meu pai.

Apesar do cunho de brasilidade acho esta última fase musical muito introspectiva e bastante amargurada. Dá-me a impressão que o artista se rebuscava numa tentativa de libertação interior.

É esta uma época bastante dramática em que o enigma clássico da esfinge se oferece ao artista: “Decifra-me ou devoro-te.”

Num pedaço de papel entre as suas partituras encontrei:

Às vezes pergunto a mim mesmo
O porque desta saudade imensa
Desta saudade do nada
Desta melancolia
Da ausência
Do Bem que nunca sonhei
Do Amor que nunca possuí
Da Amargura que nunca provei
Da alegria que nunca senti

Como regente, aliava L.F à sua sensibilidade, profundo conhecimento técnico e perfeito domínio da orquestra.

Sob a sua batuta várias sinfônicas do continente e vários solistas como: Tomás Teran, Magdalena Tagliaferro, Arnaldo Estrela, Oscar Borgeth, se apresentaram.

Na tarde de 26 de Agosto de 1948, sua figura no tablado da regência desenhou-se expressiva na plenitude dos seus 50 anos. O público carregou-o em triunfo. Na manhã seguinte, dormindo, talvez sonhando, ele teve seu instante de paz. Quem sabe terá ele então, decifrado o enigma da esfinge? Fato curioso, possível coincidência, é que em um de seus livros de medicina de sua vastíssima e variada biblioteca, ele assinalou a sua causa mortis: Enfarto do miocárdio, sem sofrimento.

Coincidência ou não, isso poderá explicar, a amargura que todos percebemos em suas últimas obras, pelo conhecimento do seu estado de saúde.

Quem sabe?

 

Canções

 

Na música para canto, revela o artista ter atingido com segurança a fusão da palavra, poesia e música numa atmosfera de lírica ternura.

Segundo Wagner, a música tem início onde a palavra acaba.

Música e poesia se confundem ultrapassando a palavra articulada do verso.

No tomo dos anais do Primeiro Congresso de Língua Nacional Falada e cantada, Mário de Andrade ao estudar aspectos da canção brasileira e da união da palavra com a música aponta os inúmeros erros de certos compositores não atentos à realidade fonética das palavras do texto e aprova amplamente as soluções encontradas por L F.

A ternura que encontro na música para canto é a revelação da sua própria natureza íntima.

Como pai era extremamente carinhoso e como professor um pai mais ou menos severo.

Em seus “lieds” de maior cristalização do poder afetivo salientamos:

A sombra suave    – com versos de Tasso Silveira
Toada pra você    – com versos de Mário de Andrade
Noite de Junho    – Ronald de Carvalho
Canção do Mar    – Manuel Bandeira
Essa Nega Fulô    – Jorge de Lima

 

Os amigos  e a natureza

 

Fazemos notar que todos estes poetas eram seus amigos pessoais.

Em sua casa poetas, músicos, pintores se encontravam para se perderem no mundo fantástico do espírito.

Lorenzo Fernândez procurava refúgio no contato da natureza da qual era amante exagerado.

Encontrava seu Deus na plenitude dos nossos panoramas.

Considerava Jesus o poeta dos poetas. Seu espírito era cristão por sensibilidade, mas na realidade não praticava nenhuma religião. Tinha em relação aos valores religiosos, uma atitude estética. Com o seu espírito independente, tão pouco filiou-se a partidos políticos.

Lorenzo Fernândez possuía uma cultura literária pouco comum.

Seus livros continham anotações e do livro Tolerância, extraí uma, que bem pode caracterizar seu espírito livre.

 

É a seguinte:

 

Porque não poderemos nós pagãos e nossos vizinhos cristãos viver em paz e Harmonia? Levantamos os olhos e olhamos as mesmas estrelas, somos passagem deste mesmo planeta e moramos sobre o mesmo céu. Que importância tem, se os indivíduos procuram a verdade por caminhos diferentes? O enigma da existência é muito grande para que só exista um caminho que conduza a uma resposta.

 

O poeta

 

Lorenzo Fernândez escreveu um livro de poesias que hesitou sempre em publicar, pois ironicamente dizia: “Meus amigos poetas dirão que sou um bom músico e os músicos que sou um bom poeta…

Num feriado de 20 de janeiro, dia de São Sebastião, numa de suas andadas pelos belos recantos de sua cidade brotou no artista um poemeto singelo e saboroso que passo a recordar

S.Sebastião
Do Rio de Janeiro
Está todo ferido
No seu corpo inteiro

Está todo crivado
De casinhas brancas
Telhados vermelhos
São as suas chagas
Manchas de sangue
No seu corpo verde

Está todo ferido no seu corpo inteiro
São Sebastião
Do Rio de Janeiro

No cenário musical projeta-se Lorenzo Fernândez no setor de ação coletiva como realizador e autêntico educador.

Funda em Julho de 1930, a revista Ilustração Musical.

Entre vários de seus artigos cito:

Bases para a organização da música no Brasil (1930)

O canto coral nas escolas (1931) – Neste artigo LF escreve:

Um povo sem arte, é um povo sem caráter nacional. A música é, de todas as artes, a mais coletiva e a que mais irmana os homens.

Lorenzo Fernândez foi colaborador do Grande Dicionário de Música (editado em Barcelona) e foi também comissionado pela Academia de Música de Nova York para organizar a Biblioteca Universal Didática, obra em 12 volumes editada nos Estados Unidos.

Fundou a Sociedade de Cultura Musical;

O Conservatório Brasileiro de Música, que dirigiu até o dia de sua morte. O CBM este mês completou 70 anos de existência.

Exerceu o cargo de Professor na Universidade Federal e no Conservatório de Canto Orfeônico, do qual foi várias vezes diretor interino. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Música ocupando a cadeira n° 18.

 

O professor

 

As gerações discípulas de Lorenzo Fernândez não o esqueceram. Suas aulas eram vivas pontilhadas de humorismo. Os personagens de Cervantes, Anatole France ou Machado de Assis, faziam Contraponto com a turma permitindo aos alunos uma FUGA, da teoria para o lúdico, através da palavra fluente do mestre, em harmonia com seus alunos.

É na obra para piano que o compositor se define como professor.

Pela leitura de suas Suítes Infantis, escritas em apenas 5 notas, notamos a preocupação do professor na iniciação da educação pianística. Preocupação esta, que vai, até atingir a maturidade musical, pelas progressivas dificuldades apresentadas.

Três Estudos em Forma de Sonatina, Valsa Suburbana, 3 Suítes Brasileiras

Sua obra é vastíssima, considerando os seus 50 anos de vida.

Nada é feito de improviso. Tudo é burilado de modo honesto e consciencioso durante as madrugadas silenciosas em seu gabinete de trabalho.

Só durante a noite, depois que ouvisse a música do silencio, como ele dizia, penetrava no seu mundo, pela ausência do nosso mundo.

A Sonata Breve, até hoje ao ouvi-la sinto que dela transborda um sentido fatalista em que o desespero e a paixão se entrelaçam numa premunição de fim de vida.

Villa -Lobos escreveu um artigo sobre Lorenzo Fernândez do qual destaco:

tendo ido ao Instituto Nacional de Música, hoje, Escola Nacional de Música procurar o grande Mestre Frederico Nascimento, para combinar algumas visitas à sua residência em Santa Teresa, afim de saborear como de meu costume aquela rara sabedoria de esteta e cientista, fui testemunha de referências excepcionais do professor ao aluno presente que se escusava timidamente daqueles elogios francos e leais.

Dizia-me o mestre: “Repare nestes encadeamentos. Não são regulares nem rigorosos, mas são tão bonitos! Olha esta falsa relação de trítono. Que pecado, santo Deus… Mas Bach pecou como ninguém, fazendo tanto bem à gente!

Villa-Lobos continua:

era um manuscrito de uma lição de harmonia, se não me falha a memória, no tom de mi maior, cheia de modulações imprevistas, com retardos e antecipações, num encadeamento livre, mas consciente de quem sente a sua alma pelo som e não se submete ao simples cálculo do jogo de notas gráficas pelas regras convencionais de tabelas, leis e gramáticas, esgazeando o pensamento de quem pode alcançar muito longe. Verifiquei que aquele aluno que o seu mestre considerava um “tímido revolucionário” era um autêntico Compositor.

Para terminar leio um poemeto de meu pai que marca a cadência interrompida de sua vida aos 50 anos.

Apostei uma corrida
Com a vida
E eu andei mais depressa

Mas agora estou cansado
E ela está correndo
Ao meu lado

E quando eu parar
De repente
Ela passará na minha frente.

26 de abril de 2006

 

Lorenzo Fernândez

 

Lorenzo Fernandez nasceu no Rio de Janeiro a 4 de novembro de 1897. Filho de pais espanhóis, teve uma formação tipicamente européia, de acordo com a qual os jovens eram obrigados a estudar música. Inicialmente, aprendeu a tocar piano de ouvido. Percebendo seu entusiasmo, sua irmã Amália, que era aluna de Henrique Oswald, resolveu ensinar a ele as primeiras noções teóricas. Lorenzo, ainda rapaz, começou a tocar nas festas dançantes do Centro Galego, e, muito envolvido com a música, compôs, aos dezoito anos, a ópera Rainha Moura, baseada em um romance popular espanhol do século XIX.

Seus pais, no entanto, queriam que ele seguisse a carreira de médico. Assim, Lorenzo preparou-se com afinco para o vestibular de medicina. Aproximando-se os exames finais, sofreu um esgotamento nervoso, que o impediu de concluir as provas e o deixou uma longa temporada recluso em casa. Durante esse período, o seu grande companheiro foi o piano. “A música passou a ocupar uma função quase terapêutica na sua vida” (FRANÇA, Eurico Nogueira. Lorenzo Fernadez: compositor brasileiro. Rio de Janeiro: s.ed., 1950 p. 18).

Desde menino apaixonado por música, esse era o momento de dedicar-se ao instrumento. Em 1917, Lorenzo Fernandez ingressou no Instituto Nacional de Música, onde iniciou os estudos de Teoria, Harmonia, Contraponto e Fuga com os professores Francisco Braga , Henrique Oswald e Frederico Nascimento, considerado seu mentor artístico. No ano seguinte, aproximou-se de Alberto Nepomuceno, que nessa época dividia a mesma casa com Nascimento em Santa Teresa. Lorenzo tornou-se assíduo frequentador da casa dos mestres, fato que deixou influências marcantes em sua formação musical. Grande admirador da obra de Nepomuceno, assistiu a seus últimos concertos no Teatro Municipal.

Em 1920, Lorenzo apresentou-se pela primeira vez em concerto, com as suas obras Arabesca e Miragem. Dois anos depois, suas composições Noturno, Arabesca, Cisnes e Ausência foram premiadas em concurso internacional promovido pela Sociedade de Cultura Musical do Rio de Janeiro.

A amizade de Lorenzo com Mário de Andrade – crítico exigente que freqüentemente cobrava posturas estéticas mais nacionais e, sobretudo, mais próximas da realidade cultural brasileira – baseada na cumplicidade musical, fez do poeta modernista um atento interlocutor. Em 1924, o jovem compositor se destacou com Trio Brasileiro, recebendo do autor de Macunaíma o elogio: “O Trio Brasileiro ( … ) já revela um artista em plena posse e emprego de sua personalidade poderosa. Nele, Lorenzo Fernandes, inteiramente convertido nos tipos melódicos e rítmicos nacionais, criou uma obra de suma importância (…) que serve para marcar uma data da evolução musical brasileira …” (FRANÇA, Eurico Nogueira. Lorenzo Fernades: compositor brasileiro. Rio de Janeiro: s.ed., 1950 p. 18). A parceria com o poeta resultou em Toada pra Você, editada no mesmo ano pela Casa Beviláqua, obtendo enorme sucesso.

Entretanto, o reconhecimento público como grande compositor ocorreu apenas em 1929, com a apresentação do poema sinfônico Imbapara, sob a regência de Francisco Braga. Utilizando temas ameríndios autênticos retirados dos fonogramas gravados por Roquete Pinto no Mato Grosso, Lorenzo Fernandez obteve uma repercussão bastante favorável nos meios musicais. Um ano depois, com a primeira audição de Reisado do Pastoreio, conseguiria a consagração definitiva. Batuque, uma das três partes que compõem a obra, é sua peça mais famosa, tendo sido interpretada por Toscanini e Bernstein.

Inspirado em texto de Graça Aranha, mentor da Semana de Arte Moderna, Lorenzo compôs a ópera Malazarte, que estreou em 1941 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. As influências do folclore nacional e da linguagem modernista estão impressas na montagem da ópera e da música. “Pretendi fazer uma coisa bem diferente do que se fez até hoje por aqui. Coisa brasileira, brasileiríssima. Mas de um brasileirismo bem compreendido, é claro. Não chamo de brasileirismo às tentativas vulgares de explorar a corda desafinada dos nacionalistas baratos. Para mim, brasileirismo é o sentido íntimo que toda obra nossa deve ter, essa qualidade de nascer da nossa terra.” (Lorenzo Fernandez. In: Aquarone, Francisco. História da Música Brasileira. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1944. p. 49)

Nesse período, caracterizado pelo aproveitamento de temas folclóricos, foram criadas, além das obras mencionadas acima, Valsa Suburbana e as Suítes Brasileiras, para piano solo, e Essa Nega Fulô, para canto e piano.

A partir de 1940, Lorenzo voltou-se para uma composição mais universalista, criando obras como as duas Sinfonias, o 2o Quarteto e a Sonata Breve. De acordo com Vasco Mariz, sua última obra, Variações Sinfônicas, representa a síntese das diferentes fases de Lorenzo, unindo universalismo e nacionalismo.

Sua obra vocal também é muito importante. Baseada na modinha e na música dos seresteiros, contém a mais conhecida das canções, Toada pra Você, além de Mãos Frias, Canção Sertaneja, Canção do Violeiro, Meu Coração.

 

UM INOVADOR NO ENSINO DA MÚSICA

 

Em 1923, Lorenzo foi nomeado professor substituto de Harmonia do Instituto Nacional de Música, durante o impedimento de Frederico do Nascimento; dois anos depois, passou a ocupar a cadeira definitivamente como professor titular. Sua trajetória como professor foi marcada pela capacidade de inovar e congregar métodos e idéias significativas para o avanço do ensino musical no Brasil.

Nesse sentido, buscou ampliar o espaço para a discussão e divulgação de idéias e métodos educacionais no campo da música com a criação da revista Ilustração Brasileira (1930).

Em 1931, Getúlio Vargas pediu a Luciano Gallet (diretor do Instituto Nacional de Música), Mário de Andrade e Sá Pereira que elaborassem um programa de reforma do ensino oficial da música. Estes propuseram o Método Dalcroze, que apresentava uma didática renovadora, compatível com os ideais modernistas; porém, o programa só se concretizou em 1937, ocasião em que Lorenzo Fernandez, diretor do Conservatório Nacional de Música, começou a desenvolver o método. Criado no ano anterior por Lorenzo, Francisco Mignone, Antonieta de Souza, Aires de Andrade, Amália Conde Fernandez, o Conservatório era considerado um projeto inovador para a época, pelo seu cunho independente e vanguardista.

Fundador, com Villa-Lobos, da Academia Brasileira de Música e professor do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, Lorenzo Fernandes foi um grande incentivador dos programas de formação musical. Segundo Marina Fernandez, filha do compositor, “a preocupação dele com as crianças era enorme, tanto é que tem várias obras para piano, com graus de dificuldade em seqüência, destinadas às crianças. Também deu todo apoio ao curso de Iniciação Musical organizado por Antônio Sá Pereira e D. Liddy Mignone. Ele tinha preocupação com tudo que representava o novo. Quando Kolleureuter veio para o Brasil, o lugar que primeiro abriu as portas para ele foi o Conservatório. Kolleureuter começou o trabalho dele aqui, introduzindo a música contemporânea e Shöenberg.”(Fernandez, Marina. Depoimento feito em 21.01.1997 – DIMAS)

Como compositor, professor, regente e divulgador, Lorenzo Fernandez exerceu um papel muito importante no cenário musical brasileiro no período 1928-48.

Homem dinâmico, realizou várias apresentações no país e no exterior. Por ocasião da comemoração da fundação da cidade de São Paulo(1934), foi convidado a reger um concerto sinfônico no Teatro Municipal, apresentando, no repertório, suas obras Noturno, Canção do Mar, Noite de junho, Essa Nêga Fulô e Meu pensamento.

Em 1938 foi convidado para representar o Brasil, na qualidade de regente, conferencista e compositor, no Festival Interamericano de Música, realizado por ocasião dos festejos comemorativos do IV Centenário da Fundação de Bogotá. Viajou também pelo Chile, Uruguai, Argentina, interpretando, além de suas obras, Villa-Lobos, Francisco Mignone, Carlos Gomes e Alberto Nepomuceno.

Em 1947, ao completar 50 anos, recebeu inúmeras homenagens. A Rádio Globo e Irmãos Vitale criaram o Prêmio Lorenzo Fernandez, destinado a jovens cantores. Também foi encenado o balé Juca Mulato, inspirado na obra de Menotti del Picchia, com temas de Lorenzo Fernandez. Nesse mesmo ano compôs Sonata Breve, Aveludados Sonhos e Trovas de Amor.

No dia 26 de agosto de 1948, o compositor se apresentou pela última vez regendo o concerto comemorativo do Centenário da Escola Nacional de Música. Na manhã seguinte, Lorenzo Fernandez faleceu, deixando seus amigos e admiradores inconformados com sua morte inesperada e prematura.

Conseguindo o domínio integral e vigoroso dos meios de expressão musical, penso que a vida lhe fugiu no momento em que entrava na fase de maior maturidade.

Meu pai Oscar, de Marina Fernandez